Por Adriana Carvalho – Valor Econômico

15/03/2018 – 05:00

Mais de 11 milhões de brasileiros moram em favelas, cerca de 34 milhões não têm acesso à água potável e 96% das cidades não contam com um plano de transporte: essas são algumas das estatísticas que mostram o tamanho da distância entre a realidade do país e as metas que se comprometeu a alcançar ao se tornar signatário, em 2015, juntamente com outros 192 países, da agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

Com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), desdobrados em 169 metas, a agenda estabelece avanços que os países devem fazer em temas como erradicação da pobreza, desenvolvimento sustentável de cidades, acesso a água limpa e saneamento, entre outros.

“De forma geral, o Brasil está bem distante do cumprimento das metas por diversas razões, entre elas questões fiscais. A sociedade civil, porém, recebeu muito bem a agenda e tem várias iniciativas para atendê-la”, diz Fabio de Almeida Pinto, coordenador executivo do Instituto Democracia e Sustentabilidade, organização que coordena o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030, formado por 70 entidades.

No ano passado, o grupo lançou o Relatório Luz, avaliando o desempenho do país no cumprimento dos ODS. “É muito difícil que dê tempo de cumprir a agenda inteira. E há temas em que o Brasil havia avançado na última década, como o combate à fome e controle das mudanças climáticas, mas hoje demandam esforços para evitar retrocessos”, diz ele, lembrando que o país corre o risco de voltar ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), do qual havia saído em 2014.

Para que a agenda de fato avance, ele avalia que as metas precisam ser internalizadas nas políticas públicas e refletidas nos planos orçamentários.

“O Brasil vai mal no cumprimento da agenda, falta uma sensibilização mais ampla da sociedade. Há setores que ainda não veem que esta é uma agenda global, pensam que ela é local e de cunho ideológico. Ainda vemos discussões sobre se saneamento básico deve ou não ser prioridade de investimentos”, diz Valter Caldana, professor da faculdade de arquitetura do Mackenzie coordenador Laboratório de Projetos de Políticas Públicas.

Para Alain Grimard, oficial internacional sênior do ONU-Habitat, “o Brasil apresenta envolvimento expressivo na implementação dos ODS”. Ele destaca a criação, em 2017, da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, integrada por membros do poder público e sociedade civil.

Grimard ressalta que pensar na agenda do ponto de vista das cidades não se resume a atender metas sobre cidades sustentáveis. “Outras metas também possuem um impacto na performance dos municípios, como acabar com a pobreza e assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento”, diz.

Uma das metas da agenda determina, até 2030, proporcionar o acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis, sustentáveis e a preço acessível para todos.

Segundo Grimard, o Brasil precisa renovar sua perspectiva sobre mobilidade e entender que as soluções não se resumem a investimentos em transporte coletivo ou ativo (andar a pé ou de bicicleta). “Apesar de o sistema de transportes certamente ser parte da solução, as medidas que teriam maior impacto estão ligadas a como as cidades são planejadas e desenhadas”,

diz ele, acrescentando que esse planejamento precisa ser conduzido por políticas públicas e não pelo setor privado. “É neste ponto que muitas cidades brasileiras falharam, dando muito poder ao setor imobiliário na criação de novas áreas urbanas com funções únicas (residenciais ou comerciais), muito distantes das áreas centrais”, avalia Grimard.

Segundo Guillermo Petzhold, especialista de Mobilidade Urbana do instituto WRI Brasil, desde o início dos anos 2000 houve uma queda da representatividade do transporte coletivo e ativo no país, enquanto aumentou o transporte individual motorizado. “Isso significa mais carros, poluição, acidentes de trânsito e tempo perdido”, diz.

O poder público e a iniciativa privada deveriam incentivar a mobilidade sustentável e o uso do transporte coletivo e de espaços públicos, segundo Daniely Votto, gerente de governança urbana do WRI Brasil. “Iniciativas como a Coalizão Mobilidade Urbana na Perspectiva das Mulheres, grupo formado por diversos coletivos da cidade de São Paulo, são esforços que devem ser multiplicados”, diz ela.

No que diz respeito a água e saneamento, tema do sexto ODS da agenda, os desafios também são gigantes. “Na região mais desenvolvida do Estado mais desenvolvido do país, temos duas cidades – Francisco Morato e Franco da Rocha – que ainda jogam 100% de seus esgotos sem qualquer tratamento nos rios”, afirma o ambientalista e educador Luiz Campos, da iniciativa Rios e Ruas, que realiza atividades de reconhecimento e identificação dos rios e riachos da cidade.