Por Fernando Torres e Alex Ribeiro – Valor Econômico

Carlos Thadeu de Freitas, do BNDES: “O BNDES vai se ajustar a uma nova era”

Para atender a demanda do governo, que se mostra irredutível na exigência de devolução de R$ 180 bilhões para cumprir regras fiscais em 2017 e 2018, o BNDES deve ser forçado a mudar sua forma de atuar e também a estrutura do seu balanço, segundo a agência de classificação de risco Fitch e especialistas ouvidos pelo Valor.

As alternativas, que segundo as fontes podem ser combinadas, passam por contenção de desembolsos, venda de ativos da BNDESPar e captação de recursos no mercado, sendo que a última opção implica aumento do custo dos empréstimos do banco. Diante dos R$ 200 bilhões que o banco tinha disponíveis em caixa em agosto – conforme informou o Valor na semana passada -, e da entrada de caixa prevista para 2018, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, vem repetindo que o BNDES terá recursos para a antecipação.

Mas recente relatório da Fitch menciona que o “cheque” de R$ 146,3 bilhões previsto para 2018 – sendo R$ 130 bilhões em devolução antecipada para o Tesouro Nacional e R$ 16,3 bilhões para cobrir rombo orçamentário do FAT – “pode gerar certa pressão na liquidez do banco durante determinados períodos” de 2018.

O dinheiro a ser devolvido no ano que vem praticamente coincide com os R$ 147 bilhões que a Fitch estima que o banco terá em caixa no fim de dezembro, já após o pagamento de R$ 50 bilhões ao Tesouro neste ano – dos quais R$ 33 bilhões foram pagos em setembro.

Devem entrar na conta, pondera a agência, os R$ 95 bilhões em retornos de empréstimos que vencem em 2018, o que deve ajudar na recuperação da liquidez, além dos juros sobre a carteira. “Não vemos grandes problemas no curto prazo, e o rating do banco é o mesmo do Tesouro. Mas vemos o BNDES exercendo um papel menos intenso na economia nos próximos anos”, disse Claudio Gallina, diretor sênior para instituições financeiras da América Latina da Fitch.

O diretor da área financeira e internacional do BNDES, Carlos Thadeu de Freitas, disse que a instituição precisa manter recursos do Tesouro no balanço para atravessar uma fase de transição para um novo modelo em que a principal fonte de recursos serão as captações no mercado, dentro da lógica criada pela Taxa de Longo prazo (TLP). “O BNDES vai se ajustar a uma nova era, com novos fundings, inclusive a securitização de créditos vinculados à TLP”, disse Freitas. “Mas essa transição precisa ser bem administrada para o banco não ficar numa situação de não ter recursos.”

Ao exigir a devolução dos R$ 180 bilhões, a equipe econômica quer evitar que a dívida bruta do setor público passe de 82% do Produto Interno Bruto (PIB) e também garantir o cumprimento da regra de ouro, que impede que sejam emitidos títulos para pagar despesas correntes da União.

O BNDES não vê problemas na parcela de R$ 50 bilhões deste ano, mas afirma que a situação de caixa não é tranquila para o pagamento de R$ 130 bilhões no ano que vem. “Hoje, a situação de caixa é confortável. Mas não significa que essa situação de conforto vá continuar permanentemente. Pode até continuar no ano que vem, desde que o BNDES tenha ainda por algum tempo os recursos do Tesouro aqui dentro”, disse Freitas.

O BNDES alega que seu caixa não pode ser usado integralmente, porque o banco deve manter níveis mínimos de liquidez por questões prudenciais. Também sustenta que, no ano que vem, o quadro de ingresso e saídas de recursos será menos favorável do que o observado neste ano. De janeiro a agosto, o caixa do BNDES foi reforçado com uma média mensal de R$ 5 bilhões.

O superintendente da área financeira do BNDES, Selmo Aronovich, afirma que o BNDES tem características especiais, por isso não deve observar os índices de liquidez tradicionais determinados pelas regras do Banco Central. Mas, ainda assim, a prática é manter um caixa para cobrir todos os pagamentos previstos nos três meses seguintes, incluindo impostos, dívidas e desembolsos de empréstimos projetados.

Em termos práticos, esse caixa equivale a cerca de 8% dos ativos do banco, que, nas contas atuais, equivale a cerca de R$ 60 bilhões. Ou seja, esse seria o valor mínimo do caixa a ser preservado. Na média entre 2002 e 2007, porém, antes dos repasses do Tesouro, esse índice era mais baixo, de 5,5%, conforme levantamento do Valor.

Aronovich diz também que as entradas de caixa no ano que vem tendem a ser R$ 30 bilhões menores do que neste ano, caindo de R$ 200 bilhões estimados para 2017, para R$ 170 bilhões. A queda, diz o técnico do banco, seria uma consequência dos desembolsos menores dos últimos anos e também da redução dos juros.

Do outro lado, as saídas de caixa no ano que vem devem crescer R$ 20 bilhões, passando dos R$ 180 bilhões esperados em 2017 para R$ 200 bilhões em 2018. Essas cifras consideram o pagamento antecipado de R$ 50 bilhões ao Tesouro em 2017, mas não a devolução de R$ 130 bilhões em 2018.

Uma série de fatores deverá pressionar a saída de recursos, afirma o BNDES. Um deles é o aumento dos empréstimos previstos com a perspectiva de retomada da economia e dos investimentos. A hipótese de trabalho é que os desembolsos cheguem a R$ 90 bilhões em 2018, assumindo como premissa uma expansão de 1% do PIB. Nos 12 meses até agosto, os desembolsos somaram R$ 77,7 bilhões.

Se a economia crescer numa velocidade de 2% a 3%, mais alinhada com as projeções dos analistas econômicos, os desembolsos seriam de R$ 120 bilhões, estima o BNDES. “Os desembolsos do ano que vem são sinalizados pelas consultas, que vem mostrando recuperação”, disse Freitas.

Um outro compromisso que deve pressionar as saídas de recursos é a cobertura do déficit no pagamento do seguro desemprego. Nos anos recentes, o Tesouro vinha pagando essa despesa, mas o Orçamento de 2017 foi enviado ao Congresso já com a lógica de que recursos do FAT administrados pelo BNDES vão ser usados para esse fim em 2018, seguindo o que determina a Constituição. As estimativas preliminares indicavam um déficit de R$ 16 bilhões a ser coberto pelo BNDES (número usado no cálculo da Fitch), mas as contas mais recentes apontam a necessidade de mais R$ 4,7 bilhões.

Outra despesa a ser paga pelo BNDES é a devolução dos recursos do PIS/Pasep aos seus titulares, determinado pela medida provisória nº 797. O BNDES administra os recursos desse fundo, que tem saldo de R$ 36 bilhões. Já está previsto o repasse de R$ 10 bilhões neste ano, e as estimativas do governo apontam um pagamento total de R$ 20 bilhões. Mas os saques podem ser maiores – o governo vai fazer uma campanha incentivando os beneficiários a buscarem o dinheiro a que têm direito -, o que levará o banco a apartar todo o saldo de R$ 36 bilhões no balanço.

Uma alternativa para gerar caixa, citada por economistas, é a venda de ações da carteira da BNDESPar. A preço de bolsa, elas valiam pouco mais de R$ 80 bilhões em junho. Mas se quiser obter liquidez relevante com essa estratégia o banco terá que desmontar posições relevantes. Isso porque os cinco maiores investimentos representam 75% do total, e estão alocados em Petrobras (R$ 27 bilhões), Vale (R$ 22 bilhões), Fibria (R$ 5,4 bilhões), JBS (R$ 3,8 bilhões) e Eletrobras (R$ 3,2 bilhões).

Nas duas estatais, parte das ações tem gestão restrita, dependendo de autorização do Tesouro para movimentação. No caso da Vale, pouco menos da metade da participação está vinculada a acordo de acionistas, instrumento que também existe na Fibria e na JBS – essa última em um momento considerado, pelo banco, como inadequado para venda.