Por Francisco Góes – Valor Econômico

30/10/2018 – 05:00

A renegociação dos passivos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o Tesouro Nacional vai garantir ao governo de Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022, o recebimento de R$ 102,8 bilhões para abatimento da dívida pública.

Serão R$ 26,6 bilhões em 2019; R$ 26 bilhões, em 2020; R$ 25,4 bilhões em 2021 e R$ 24,8 bilhões, em 2022. Os números fazem parte de um estudo do BNDES que analisa o acordo acertado este ano entre o banco e o Tesouro Nacional.

Esse acordo antecipou em 20 anos – de 2060 para 2040 – o vencimento da dívida do banco com a União, que ainda tem um saldo remanescente a receber de R$ 258,7 bilhões. Até a renegociação realizada em 2018 a previsão era de que a instituição de fomento devolvesse apenas R$ 18 bilhões nos primeiros quatro anos, até 2022. Não haveria pagamentos em 2019 e os valores seriam de R$ 4,7 bilhões em 2020; de R$ 6,5 bilhões em 2021; e de R$ 6,8 bilhões em 2022, para citar os anos relativos ao novo governo que assume em janeiro.

Agora o maior volume de pagamentos nos primeiros anos do novo acordo é importante uma vez que a situação fiscal do governo continua preocupante, como mostra o estudo do banco, intitulado “A renegociação da dívida do BNDES com o Tesouro: antecedentes, motivação e desdobramentos”, assinado pelos economistas Guilherme Tinoco, Fabio Giambiagi, Julio Leite, Arthur Nunes e Felipe Provençano. O trabalho afirma que o setor público vai exibir déficit primário pelo quinto ano consecutivo. Em julho, a dívida bruta do governo geral bateu o recorde da série histórica ao atingir 77,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Os economistas do BNDES dizem no estudo que projeções de mercado indicam que logo essa dívida poderia ultrapassar a barreira dos 80% do PIB. Eles afirmam ainda que os recursos das devoluções antecipadas do BNDES ao Tesouro somente podem ser usados para abatimento da dívida pública, nos termos definidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2016.

Entre fins de 2015 e agosto de 2018, o BNDES devolveu de forma antecipada ao Tesouro R$ 309 bilhões, o que faz com que a contribuição do banco para a redução da dívida bruta do governo alcance o equivalente a 5% do PIB, sempre de acordo com o estudo.

Depois dos pagamentos feitos até o momento, o saldo da dívida do BNDES com o Tesouro situa-se em de R$ 258,7 bilhões, segundo mostra o estudo do banco com base em dados de agosto da Secretaria do Tesouro Nacional. Essa dívida envolve três contratos de financiamento, sendo que dois deles estão sendo “unificados”.

Os montantes da dívida já quitados – os R$ 309 bilhões – seriam consistentes com a preservação dos fluxos de desembolsos do BNDES na faixa de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), algo que deve ocorrer em 2018, quando se prevê que o BNDES empreste na faixa de R$ 70 bilhões.

Esse percentual pode dobrar em 2019, para 2%, dependendo da demanda, pois o banco tem sobra de caixa. Para a frente, porém, a questão é a sustentabilidade desse número. “A partir de 2020, teremos que fazer um esforço de mercado para chegar a 2% do PIB [em termos de desembolsos]”, disse fonte graduada do BNDES.

A questão é que hoje, face à crise fiscal, é improvável que o banco volte a receber recursos do Tesouro para atender a um eventual crescimento da demanda do setor produtivo. Para um interlocutor, caso a demanda por recursos cresça, o banco terá que viabilizar outras fontes de captação. Em 2018, o BNDES fez emissão de letras financeiras e, olhando para o futuro, o banco tem uma carteira de ativos que pode ser monetizada, além de ter espaço para fazer operações de securitização.

Outra pergunta que se coloca é se o novo governo pode buscar acelerar ainda mais o fluxo de pagamentos do banco ao Tesouro. No entender de especialistas, essa é uma questão que vai depender dos cenários de retomada da economia.

Uma eventual reabertura do acordo de devolução com o Tesouro está vinculada a uma avaliação que terá de ser feita pelas partes no decorrer do processo, dizem fontes. Caso o contrato acertado entre o BNDES e o Tesouro seja cumprido conforme negociado em 2018, os números de pagamento devem ser muito semelhantes aos previstos no estudo do BNDES.

Mas se o governo quiser acelerar a devolução para liquidar a dívida antes, em 2025 ou 2030, por exemplo, será preciso que o banco e o seu controlador voltem a sentar à mesa para discutir o assunto. Hoje está claro que a renegociação acertada com o Tesouro acelera, por um lado, a queda no saldo da dívida remanescente na carteira do BNDES. E, por outro lado, contribui para a redução do estoque da dívida bruta do governo central.

Fabio Giambiagi, um dos autores do estudo, considera que a renegociação da dívida foi fruto de uma convergência de interesses e de uma mútua conveniência, tanto para o BNDES como para o Tesouro Nacional. Giambiagi avalia ainda que o acordo entre BNDES e Tesouro se insere no contexto de uma economia mais “saudável” no fim de 2018 no qual o banco está mais adaptado a essa nova configuração econômica do país, de juros mais baixos e inflação contida.

No estudo, os economistas analisam o contexto no qual se deram os repasses bilionários do Tesouro ao BNDES, e dividem essa história em quatro etapas. A primeira se dá entre 2008 e 2014, quando a soma dos empréstimos do Tesouro ao banco alcança R$ 416 bilhões, valores que corrigidos chegam a R$ 500 bilhões.

Os repasses maciços de recursos ao banco tiveram o objetivo de aliviar as restrições de crédito a partir de 2008, ano da crise financeira mundial, e permitiram ao banco fazer política “contracíclica” para reativar a economia. O tamanho da dose mostrou-se exagerada, como provou-se depois.

A segunda fase, a partir da recessão iniciada em 2015, levou à interrupção de novos empréstimos do Tesouro ao banco. A terceira foi a etapa de pagamentos intensos do BNDES ao controlador, que começaram no fim de 2015 e se intensificaram entre 2016 e 2018, totalizando R$ 309 bilhões em valores correntes, incluindo os R$ 130 bilhões pagos em 2018.

Por fim, depois dessa fase de pré-pagamentos, o status da dívida remanescente do banco com o Tesouro indicava um caminho mais suave até 2060, mas houve nova renegociação que resultou em acordo antecipando o prazo final da dívida em 20 anos, para 2040.

O pagamento antecipado da dívida enfrentou, porém, resistências, sobretudo na gestão de Paulo Rabello de Castro no BNDES. A questão é que havia demandas superpostas – do Tesouro, do FAT e do PIS/Pasep – que o banco não podia atender. Mesmo quando foi definido o valor de devolução de R$ 180 bilhões somente ao Tesouro, sendo R$ 50 bilhões em 2017 e R$ 130 bilhões em 2018, o BNDES, na época, não dispunha de todo esse dinheiro em caixa, segundo fonte próxima das discussões.

Por outro lado, o fato de a recuperação da economia não ter se materializado, se refletindo em queda dos empréstimos do BNDES às empresas, permitiu a devolução antecipada no montante pretendido pelo controlador. Um técnico do banco afirmou que, caso o banco não tivesse devolvido os R$ 309 bilhões, teria hoje uma tesouraria próxima da carteira de crédito, que é a principal razão de ser do banco.

O BNDES trabalha com uma tesouraria mínima de três meses para cobrir toda a saída de caixa, incluindo desembolsos, pagamentos de despesas de capital e juros, salários e dividendos.