Por Camila Maia e Rodrigo Polito – Valor Econômico

O atraso na publicação da Medida Provisória (MP) que vai resolver o problema das dívidas bilionárias que as hidrelétricas têm por conta da exposição ao déficit na geração de energia está preocupando grandes empresas do setor, colocando em risco inclusive novos investimentos. Segundo Eduardo Sattamini, presidente da Engie Brasil Energia, a maior geradora privada do país, a ausência da publicação da MP pode provocar um “colapso” no setor, com a insolvência e quebra de várias companhias.

Na sexta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) cassou liminar que protegia os integrantes da Abragel, associação formada principalmente por pequenos geradores hídricos, da exposição ao GSF (sigla em inglês para o fator de ajuste da garantia física das usinas). Com isso, o governo pretende derrubar todas as outras liminares, acabando com a guerra judicial que já trava quase R$ 6 bilhões no mercado livre de energia.

Isso, porém, não reduz a necessidade da MP, dizem empresários, que chegaram a enviar uma carta, por meio de associações, ao ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, solicitando a publicação do texto.

Para o presidente de uma grande companhia do setor, que falou sob a condição de anonimato, caso o governo prossiga com a estratégia e derrube as liminares sem a MP, isso vai significar que as companhias hoje protegidas por ações judiciais precisarão depositar no dia seguinte os quase R$ 6 bilhões, o que seria inviável, segundo os envolvidos.

Ainda que muitas companhias tenham provisionado os montantes devidos, a disponibilidade dos recursos em caixa é baixa. “Cassar a liminar só adia o problema. Em vez de ter falta de pagamento por liminares, vamos ter inadimplência no mercado”, disse o executivo.

A MP é ainda considerada essencial para a privatização da Eletrobras. “Sem o GSF resolvido, o governo não consegue privatizar a Eletrobras”, disse o executivo. Isso porque a energia hoje em regime de cotas, protegida do GSF – que vai para o consumidor -, será descotizada, fazendo com que a companhia privatizada seja exposta ao problema.

O impasse com relação ao GSF e as liminares que travam o mercado de curto prazo preocupam também o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Em última análise, explicou o diretor-geral do órgão, Luiz Eduardo Barata, alguns geradores podem se sentir desestimulados a produzir energia, porque não serão remunerados no mercado de curto prazo, afetando a oferta existente.

“Sobras de [energia de térmicas a] biomassa não geram porque vão ter que liquidar no mercado e o mercado não liquida. Então não vão gerar. A resposta da demanda vai liquidar no mercado. Se o mercado não liquida, é possível que alguém que pudesse oferecer [energia] não ofereça. Algumas térmicas precisam da liquidação do mercado de curto prazo para contratação de combustível. Manifestamos a opinião ao Ministério de Minas e Energia mostrando nossa preocupação com o GSF. Pode no limite impactar a operação do sistema.”, disse Barata.

A MP está pronta há quase dois meses, mas um impasse entre o Ministério de Minas e Energia e a equipe econômica do governo travou sua publicação. O texto prevê que fatores não considerados “riscos do gerador”, como geração fora da ordem de mérito de termelétricas e atraso na conexão de projetos, sejam expurgados do GSF de forma retroativa até 2013, e permanentemente a partir de agora. Há um entendimento de que esses custos não deveriam estar na conta das hidrelétricas desde o princípio.

No entanto, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) não pode abrir mão do recebimento dos créditos dos geradores protegidos por liminares, que já se aproximam de R$ 6 bilhões. Em troca de acordo para que todos paguem os montantes devidos, a MP prevê que os valores expurgados sejam transformados em extensão das suas concessões, em no máximo 15 anos.

A equipe econômica do governo contestou as extensões de concessões, por considerar que estaria abrindo mão da cobrança de potenciais outorgas. Essa discussão foi superada, mas a iminência da decisão do STF sobre a liminar da Abragel segurou novamente a publicação da MP. “A utilização dessa decisão em outras disputas coloca em risco as demais liminares e poderá levar a um colapso no setor com a insolvência de vários geradores”, disse Sattamini. “O MRE [Mecanismo de Realocação de Energia, espécie de “condomínio” das hidrelétricas] tem sido o pára-raio do setor e onde o ônus das decisões erradas do passado e dos problemas existentes ainda causam estragos”, completou.

O grupo Electra Energy, especializado em geração, comercialização e consultoria na área de energia, ainda prevê que a MP sobre a repactuação do risco hidrológico seja publicada neste ano. A conclusão do processo, porém, deve ficar para 2018.

“A expectativa é que a solução para o risco hidrológico seja apresentada ainda neste ano, com a publicação de uma MP com proposta de repactuação. Mas, como haverá um prazo para adesão dos geradores, a conclusão do processo deve se dar apenas em 2018”, disse Leonardo Salvi, diretor da Electra Energy.