Jornal O Globo

Por Jerson Kelman
17/10/2019

Investimentos teriam que ser remunerados, causando aumentos tarifários

Não há recursos fiscais para mudar a situação do saneamento no Brasil, que é ruim mesmo quando a comparação se restringe a países com renda per capita semelhante à nossa. Por isso, é necessário construir um novo marco legal, capaz de atrair empresas privadas para o setor, dotadas de capital e menos sujeitas ao cipoal burocrático que atrapalha o desempenho das empresas públicas. A versão mais recente do projeto de lei (PL) sobre o assunto será levada brevemente ao plenário da Câmara dos Deputados para deliberação final na esfera legislativa. Estamos perto de uma “virada de jogo” que deve melhorar a prestação dos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto.

A versão atual do PL preserva quase tudo da versão original, do senador Jereissati, mas acrescenta um artigo determinando que os contratos de saneamento deverão definir metas ambiciosas para 2033. Se forem cumpridas, ficaremos em situação comparável à dos países mais civilizados do planeta. Parece muito bom. Mas não é.

Explicação: as metas ambiciosas — atendimento de 99% da população com água e 90% com coleta e tratamento de esgoto — só poderiam ser alcançadas com investimentos vultosos em curto intervalo de tempo, principalmente nos estados pobres. Esses investimentos teriam que ser remunerados, causando significativos aumentos tarifários, os quais, quase certo, seriam mal compreendidos pela sociedade. É duvidoso que empresas privadas se disponham a correr esse risco. Provavelmente, preferirão se candidatar à prestação do serviço em áreas já desenvolvidas, sem grandes necessidades de investimento, com índices próximos aos das metas legais. Exatamente o contrário do que se quer alcançar.

Portanto, não convém fixar em lei metas que sejam incompatíveis com a capacidade de pagamento da população. Ao contrário, o ritmo de investimento deve ser pactuado para cada caso específico, levando em consideração o respectivo impacto tarifário.

Jerson Kelman é professor da Coppe-UFRJ