Por Marsílea Gombata – Valor Econômico

29/03/2018 – 05:00

O governo argentino busca reverter anos de subinvestimento em infraestrutura no país e, na próxima semana, os primeiros resultados desse esforço podem aparecer. No dia 3, as empresas apresentam ofertas para a primeira fase do programa de participação público-privada (PPP), com o qual o governo quer atrair US$ 26 bilhões em investimentos em transporte, comunicação, saneamento, energia e mineração até 2022.

Daniela Cuan, vice-presidente da Moody’s na Argentina, diz que esse total será dividido em 60 projetos. “A primeira parte diz respeito a 3.400 km de estradas, cujas concessões devem atrair US$ 6 bilhões”, afirma. “Mas o programa também abrange construção de hospitais, escolas, centros penitenciários e uma ferrovia específica para Vaca Muerta”, referindo-se à área de reservas de petróleo e gás de xisto, no sudoeste do país.

O programa foi inspirado no modelo peruano de PPPs, que entre 2004 e 2016 atraiu US$ 32 bilhões em investimentos em infraestrutura, diz Patricio Alvarez, diretor-executivo da área corporativa e institucional do banco BNP Paribas Argentina.

“A Argentina nunca teve um plano nacional de infraestrutura pensado de longo prazo e que fosse vantajoso para governo e as empresas privadas”, diz. “Esses investimentos costumam ser feitos via financiamento externo, por meio de empréstimos ou emissão de bônus. E isso era praticamente impossível para uma Argentina antes fechada e sem acesso ao mercado de capitais.”

Apesar de a aprovação ao governo do presidente Mauricio Macri ter caído de 52%, em novembro, para 40% atuais, Alvarez afirma que o mercado continua vendo a sua gestão com bons olhos e acredita na sua reeleição em 2019. Pesquisas mostram que 31% dos argentinos votariam em Macri se a eleição presidencial fosse hoje.

A Argentina é um dos países que menos investem em infraestrutura na América Latina. Enquanto a média de investimento da região é de 3,5% do PIB, a da Argentina é de 1,9%, abaixo do Brasil (2,8%) e da Colômbia (3,9%). Para reverter essa cifra sem ampliar o déficit orçamentário – hoje em 3,9% do PIB – e aumentar a participação historicamente baixa do setor privado, o programa tem condições específicas para atrair os investidores.

“Os pagamentos às empresas concessionárias serão feitos em dólares, o que mitiga o risco cambial. Os contratos preveem a possibilidade de arbitragem, o que é bom para empresas com receio de entrar em disputas jurídicas na Argentina, conhecida pela falta de independência das cortes no país”, diz Thomaz Favaro, da consultoria Control Risks. “Mas, por outro lado, a Argentina ainda tem problema de escassez de crédito, e isso pode ficar mais evidente nos projetos de longo prazo.”

Favaro explica que o retorno do investimento das empresas no programa de PPP das rodovias será feito por uma combinação da arrecadação do pedágio pago pelos consumidores e pela remuneração complementar do poder público.

“A cada trimestre, o governo avaliará a porcentagem do trabalho executado pela concessionária e fará o pagamento por meio da emissão de um bônus específico”, afirma. “Esse título dá mais segurança à empresa concessionário. Por outro lado, tende a aumentar o déficit em conta corrente, que já é alto”, alerta. A Argentina encerrou 2017 com déficit em conta corrente recorde de US$ 30,7 bilhões, equivalente a 5,64% do PIB.

Neste ano a previsão é que o setor público desembolse o equivalente a 1,6% do PIB para projetos de infraestrutura que não estão no programa de PPPs. Como início do programa, a expectativa é que o Estado gaste 0,8% adicional como contrapartida às empresas executoras das PPPs, afirma Miguel Zielonka, da consultoria Econviews, em Buenos Aires. “Esse percentual tende a crescer conforme mais projetos sejam licitados.”

No mês passado, o ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, afirmou que o PIB argentino deve crescer 3,5% neste ano. Mas Zielonka afirma que, para a Argentina crescer a um patamar mínimo de 3% anuais e de maneira sustentada, tem de investir mais. “Hoje os setores público e privado investem o equivalente a 17% do PIB argentino em áreas como infraestrutura, saúde, educação, quando o patamar mínimo deveria ser 20%, a média da América Latina.”