Por Fernando Exman – Valor Econômico

A campanha eleitoral já domina a pauta política, mas um instrumento fundamental para a manutenção da prestação de serviços à população é mantido à margem do debate travado pelos pré-candidatos e das prioridades de diversos governantes. Todas as empresas públicas precisam se enquadrar à Lei das Estatais em um prazo de aproximadamente seis meses. Mesmo assim, gestores públicos em Brasília e no restante do país parecem não dar a devida atenção à questão.

Esse risco é descrito com detalhes em um estudo produzido pela EY, empresa de auditoria e consultoria. De autoria de Luis Pontes, sócio-líder para Governo e Setor Público para a América Latina da EY, do gerente sênior de consultoria Rafael Colnago e do consultor sênior Daniel Silveira, o trabalho identificou 252 empresas estatais no Brasil, sendo 150 controladas pelo governo federal, 77 estaduais e 25 nos municípios de maior Produto Interno Bruto (PIB). Desse total, 49 atuam na área elétrica, 34 no setor de petróleo e derivados, 17 no segmento financeiro, 16 em comércio e serviços e 8 em portos. Há ainda companhias de transportes, abastecimento, saúde e assistência social, por exemplo. Ou seja, serviços urbanos, de infraestrutura e sociais de extrema importância, cuja qualidade costuma influenciar inclusive a popularidade de presidentes, governadores e prefeitos.

“Essas empresas podem sofrer penalidades administrativas. Os órgãos de controle podem obviamente começar a aplicar sanções aos diretores dessas empresas e, em última análise, eles podem até responder civil e criminalmente”, explica Luis

Pontes, acrescentando que, no limite, diretorias de empresas estatais podem até sofrer intervenção. “As empresas podem ser obrigadas a parar de licitar porque elas não se adequaram à lei. Isso já deixa um passivo enorme sobretudo para os novos governadores, às vésperas das eleições. Os governadores que entrarem podem lidar com esses problemas nas empresas estaduais.”

A não execução das regras pode gerar impactos políticos

Em tempos em que vice-presidentes da Caixa Econômica Federal estão sendo afastados devido a suspeitas de irregularidades e a Lei 13.303/2016 já vem sendo um filtro às nomeações políticas para as diretorias de várias estatais, o trabalho da EY evidencia um cenário preocupante. No âmbito federal, a grande maioria das empresas estatais não tem um alto grau de aderência à Lei das Estatais. Em alguns Estados, o quadro é mais grave. Apenas 16 unidades da federação regulamentaram a Lei das Estatais. Segundo Pontes e sua equipe, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Tocantins, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe sequer definiram os dispositivos legais que garantirão a aplicação, por suas empresas estaduais, da proposta aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer em meados de 2016.

É difícil imaginar que governadores e deputados estaduais ainda levarão essa discussão adiante de forma racional e transparente em tão pouco tempo. Além disso, em abril governadores que concorrerão à reeleição precisarão sair dos cargos, o que pode deixar eventuais procedimentos para a regulamentação da lei à deriva.

Há um longo caminho a se percorrer, destaca a equipe da EY. As exigências da Lei 13.303/2016 passam, por exemplo, pela instituição de conselhos de administração compostos por 7 a 11 integrantes, dos quais 25% devem ser independentes. Seus componentes precisam ter experiência comprovada e formação acadêmica. Há restrições também a candidatos com atuações recentes em partidos políticos, entidades sindicais ou fornecedores dessas companhias.

A legislação obriga ainda a realização de auditorias, a criação de conselhos fiscais, a adoção de práticas de gestão de riscos e controles internos, a elaboração de códigos de condutas e integridade, o oferecimento à população e ao público interno de canais de denúncias. Outras medidas de gestão estabelecidas são: a elaboração de estratégias de longo prazo, a divulgação das remunerações dos administradores, a avaliação de desempenho e a divulgação sobre distribuições de dividendos, além da definição de estatutos.

Para usar critérios mais flexíveis de contratação, a empresa estatal precisa adotar esses e outros instrumentos jurídicos e gerenciais que, pelo menos em teoria, evitam práticas abusivas. Trata-se de um conjunto de medidas complexas, mas justamente por isso o prazo para a aplicação dessas regras, fixado em dois anos, foi considerado bastante razoável.

Os debates sobre a criação de uma lei de responsabilidade das empresas públicas ganharam impulso após a Operação Lava-Jato, enquanto se discutia também o processo de transição entre os governos de Dilma Rousseff e Michel Temer.

Acuado, o meio político reagiu como de costume. Atuou para agradar a plateia e tentar mostrar que estava determinado a combater malfeitos e esquemas de corrupção.

Como mostra o estudo conduzido por Luis Pontes, Rafael Colnago e Daniel Silveira, da EY, a Lei das Estatais é a etapa recente de um processo crescente de regulamentação dos assuntos de governança e riscos no setor público. A aplicação da lei deveria servir de oportunidade para a transformação dessas organizações, com vistas a mais agilidade, desempenho e transparência.

Hoje, no entanto, infelizmente um dos riscos é a potencial insegurança jurídica que pode ser criada em diversos segmentos da economia, caso várias empresas de fato desrespeitem o prazo fixado. Há que se ter, também, um monitoramento efetivo, pelos órgãos de controle, da ocupação de cargos e o uso das empresas em um ano eleitoral. A Lei das Estatais reduz as brechas para nomeações estritamente políticas, mas sempre é bom lembrar que vários delatores do esquema desvendado pela Operação Lava-Jato poderiam se enquadrar nos critérios estabelecidos pela atual legislação. Eram quadros técnicos e antigos da Petrobras, mas se tornaram integrantes de organizações criminosas.

Fernando Exman é coordenador do “Valor PRO” em Brasília. Rosângela Bittar volta a escrever em fevereiro