Por José de Castro, Juliana Machado, Lucinda Pinto e Lucas Hirata – Valor Econômico

Após semanas de intenso debate, nervosismo e volatilidade nos mercados financeiros domésticos em torno da data da votação da reforma da Previdência, investidores tiveram na tarde de ontem o sinal mais claro até agora de que a votação do texto será adiada para fevereiro. A reação dos preços de dólar, juros e bolsa foi bastante negativa na sequência. Mas, perto do fim dos negócios, os ânimos se acomodaram e os mercados terminaram a alguma distância de seus pontos mais baixos.

Analistas consultados pelo Valor entendem de forma unânime que a confirmação de que a reforma ficará para depois pode abrir espaço para uma deterioração adicional dos preços. Porém, o desânimo que tem marcado o debate nas últimas semanas já fez sua parte no sentido de preparar os agentes financeiros para um cenário indesejado. Na prática, isso quer dizer que os preços já embutem – em maior ou menor grau – a perspectiva de atraso da reforma, fator que ameniza riscos de piora expressiva a partir dos patamares atuais.

E essa tese parece ter sido corroborada pelos movimentos do dólar e dos juros futuros no fim do pregão de ontem. A taxa do contrato de dólar com vencimento em janeiro, por exemplo, terminou com alta de apenas 0,08%, a R$ 3,3150. Pouco após a notícia do adiamento da votação, a cotação do dólar chegou a saltar 0,71%.

Na renda fixa, o comportamento foi similar. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) com vencimento em janeiro de 2021 – uma das mais sensíveis às expectativas para o ajuste fiscal – terminou em 9,30% ao ano, 1 ponto-base maior que o fechamento anterior, mas 7 pontos-base abaixo da máxima intradiária.

Se os mercados de câmbio e juros parecem mais “ajustados” a não votação neste ano, a reação do Ibovespa ontem alimentou a visão de que o segmento acionário tem mais “gordura” para queimar. O Ibovespa acelerou a queda na última hora de pregão e terminou com desvalorização de 1,22%, aos 72.914 pontos, oscilando 2.053 pontos em apenas um pregão.

Para Fábio Carvalho, chefe da mesa de ações da CM Capital Markets, faz sentido o índice oscilar em torno de 71 mil pontos até o começo do ano que vem com o adiamento da reforma da Previdência.

“Em cenário sem Lula na eleição, por exemplo, a reforma fica em segundo plano, e o índice pode até melhorar. Sem grandes mudanças de panorama, a bolsa deve ficar ao redor dos 70 mil pontos”, diz Renato Ometto, sócio da Mauá Capital.

Os mercados mostravam reação positiva à decisão do Fed (o BC dos EUA), às 17h, quando entraram em rota descendente poucos minutos depois, após o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), dizer que os presidentes das duas Casas legislativas decidiram votar a reforma da Previdência apenas em fevereiro. Um pouco mais tarde, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tentou acalmar os ânimos e disse que o governo ainda tem como meta votar a Previdência neste ano – afirmação que contrariou a declaração de Jucá de que o adiamento foi acertado com o governo.

Independentemente disso, poucos no mercado financeiro veem o governo com os votos mínimos necessários para passar o texto do projeto na Câmara neste momento. E esse consenso foi construído ao longo das últimas semanas, à medida que informações desencontradas de diversas autoridades políticas revelaram a falta de coesão na base do governo e a resistência maior que a esperada à proposta de reforma previdenciária.

A decisão do PSDB de fechar questão a favor do projeto e a possibilidade de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja impedido de concorrer às eleições de 2018 são fatores que podem, nas próximas semanas, evitar uma deterioração mais sensível dos preços. Por outro lado, analistas chamam atenção para a maior suscetibilidade do Brasil a viradas de humor no exterior, uma vez que o ajuste da Previdência parece mais distante. “Acho que algumas agências de ‘rating’ [em particular a S&P] podem, sim, promover o rebaixamento do país”, diz o profissional de um fundo em São Paulo, que revela bastante ceticismo sobre a possibilidade de aprovação da reforma em fevereiro.

“Fico mais preocupado porque não me parece que o adiamento se deve à necessidade dos parlamentares de análise do projeto, mas sim por questões puramente eleitorais. E isso quer dizer que a resistência ao projeto não vai diminuir só porque vamos esperar até fevereiro”, diz Alberto Ramos, chefe de pesquisa macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs.